30.11.20

LIÇÕES


Foi dos teus lábios que aprendi o silêncio
quando cessei todos os cânticos de um futuro,
ali, ao supremo encanto das mãos que se enredavam,
ao tímido gesto acobertando os nossos pavores,
ao leito das lágrimas abandonadas em teu rosto.

Foi do teu sorriso que decorei a saudade
quando aglutinei todos os ecos de um passado,
aqui, onde a memória encena o seu adágio,
onde confissões recriam remotos cenários,
onde me calo e curvo ante ao vazio das naves.

Será do teu seio que esperarei ouvir algum murmúrio
quando os teus braços copiarem bruma e horizontes,
algures, entregue aos relevos diáfanos do teu corpo,
desamparado ao capricho dos céus e relentos,
descurado ao semblante outonal de uma lenda.

Foi o silêncio que aprendi dos teus lábios
quando disseste o futuro cessando todos os cânticos,
algures, onde as mãos desafiaram todos os enredos,
aos nossos pavores largando-nos ao rumo dos receios,
entregue a ventos e aluviões que irradiaram os teus aromas.

J.C.Lopes




29.11.20

PORTO RUBY


Seja então esta alma feita em taça
a essência que me afeita a garganta,
mais ainda a atmosfera que agiganta
o delírio ao temor que o olhar disfarça.
 
Sentir o fátuo e adocicado escarlate
em límpido veio e mera sedução,
e o senso em primavera e vastidão
aparta-se e alegremente evade.
 
Somente aromas neste momento
recriam-me no sabor ao barlavento
alucinando o tempo agora ao lado.
 
Frutado elixir de um reino tão sonhado,
bebo-te a delicadeza em desaprumo
tal marca e fantasia de um dúbio rumo.

J.C.Lopes



28.11.20

ELISÃO


Aqui termina o meu cadente discurso,
absolutamente órfão da realidade;
e então insisto ao fadário e percurso
desobstruindo os veios da saudade.

Elidir o meu sonho do teu caminho...
não sabes, e pouco importa, o que tanto dói
bem aqui, no que seria essência, e este carinho
que agora tinge o contrassenso que corrói.

Aqui me entrego ao imponderável e me calo,
completamente nulo à voz da esperança;
aos nervos, no que seria alma, penso o halo
que debilmente me ilumina em temperança.

Colidir em tua fuga o meu destino...
não sabes, e mais nada importa neste absurdo,
apenas que desapareçam ao desatino
as memórias sangradas num lamento surdo.

J.C.Lopes




27.11.20

THAMES RIVER


Compreendo teu murmúrio silencioso,
porque a tua milenar solidão
com a minha se alinha na multidão.

Decifro afetuoso e límpido o teu leito,
plenas de vida as tuas águas,
como espelho do meu exílio e mágoas.

Apiedo-me das tuas cicatrizes
sulcadas em tuas correntezas,
como marcas das minhas incertezas.

Vislumbro-te gigante, universal,
carrego-te ao oceano, Tejo e Sado,
em meu navegar desvairado.

Compreendo-te enfim, solidário amigo,
humana caridade de quem nos leva
a memória de uma última quimera.

J.C.Lopes




26.11.20

LINHAS DO TEMPO


e se a força grandiosa do horizonte
revolvesse as linhas do tempo
e resgatasse em translúcidas fontes
as lágrimas tantas deste momento

e mitigasse esta mágica torrente
tantas sedes de contidas ternuras
e recriasse o instante presente
num devir de encanto e brandura

fosse o canto do poeta bastião
dos pleitos e sonhares do coração
na simplicidade lógica de um amor

e a luz suprema, esteio de um clamor
a ecoar na alma em serenidade
o último grito de uma crueldade

J.C.Lopes



25.11.20

INSIGNIFICANTE


Largando a voz num discorrer incauto,
talvez assim eu fuja dessa ardência
e de tudo que me atesta a complacência
cotidiana a uma lenta morte sem laudo.
 
Florescendo lírios da augusta existência,
talvez insista por teus olhos neste instante
e esqueça o significado insignificante
das palavras de uma vida sem valência.
 
Repelindo sonhos na audácia do rompante,
talvez entenda o convite ao abismo
e provoque abalos na intimidade do sismo
às catedrais fracionadas no desplante.

Quanto mais assim de tudo eu disto,
mais me abrangem brumas e sombras,
sílfides no tormento que se alonga
entre brisas e glóbulos em que me dispo.

J.C.Lopes



24.11.20

ROSA MÍSTICA


Aqui me vês... ao desamparo
no vazio do jardim que cultivei.
E mais uma vez insisto insensato
talvez recriar o que acreditei.

Porque semeio esta terra infinita
que as noites regaram de mistérios.
Porque creio nesta fatigante lida
mesmo entre açoites e vis impropérios.

Não me vês... na colheita solitária
das flores da própria mortalha,
que afinal sonharei manto de glória.

Porque me cinjo e orno do nada,
empunho uma rosa como espada,
descerro grilhões de minha história.

J.C.Lopes



23.11.20

RELEVOS


És tu, poeta, um erro essencial,
um acidente malfadado do acaso
na alegoria de um pecado original,
um subproduto imprudente do descaso.
 
Vela o vazio atávico em teus nervos,
o teu sono irrequieto pelo penhor da miséria,
longa passarela de enganos e estercos
a fertilizar as tuas ignóbeis lérias.
 
Pactuas com a morte, poeta nefasto,
a provisão de vida em teu repasto,
teu veneno decantado em alimento.
 
Concede ao menos, ao passar do vento,
o espargir da tua imagem de degredo
na quietude intangível dos relevos.

J.C.Lopes



22.11.20

PERDOA-ME


Perdoa-me se me perdi na multidão
e me confundi com a tua alegria,
se meu sorriso, disfarçando segredos,
imprudente acolheu a tua fantasia.

Perdoa-me o carinho indefinido,
a vaga imagem de um amor errante
aninhado em teu meigo coração,
como ave que seguiria adiante.

Amor feito dos aromas do vento
e dos sabores marcantes do tempo,
que de paixão serena se fez rebeldia.

Perdoa-me se ainda guardares a lembrança
das flores magoadas da tua esperança
entre as folhas nunca lidas da tua poesia.

J.C.Lopes



21.11.20

SONHOS MEUS


Entrego-vos meu direito ao repouso
e os retalhos de agónicas vigílias,
que se afinal me julgais louco,
não ouseis bulir minhas fantasias.

Podeis levar todas as cores
com que engalanais vosso arbítrio,
mas não toqueis no cerne das dores
intransponíveis dos meus idílios.

Meu silêncio cônscio do poder
ilusionista da vossa verdade
será meu bastião de felicidade.

E os meus olhos, que não parecem ver,
libertam-me enfim da vossa peçonha,
serena dimensão de quem sonha.

J.C.Lopes



20.11.20

LISBOA


És tu o acenar de uma libertação
entre torrentes revoltas de um lirismo
que assalta e subjuga um frágil coração.

És tu o contraponto de uma existência
dissipada entre a imensidão do oceano
e a contenção do rio, subtil demência
de um sonhar por trópicos e meridianos.

Viajo em ti indefinido sentimento.
O teu frenesi urbano e o teu vento
arrastam-me pluma e poesia, Lisboa.

Faço-me então a tua gente, circulares e ruas,
na reinvenção das noites e das luas,
em cada saudade que para o infinito voa.

J.C.Lopes



19.11.20

ALUSÃO


Se agora faço desse confuso anélito
a bandeira tomada ao sombrio inimigo,
minto tantas verdades quando eu digo
da desconhecida fé nascida do descrédito.

Somente a aparição da própria carne
assombra catedrais em meus temores,
e as ordens fantásticas desses ardores
são degraus em que tropeço sem alarde.

São meus temas em tautologia
contendo o avanço do tresvario,
sagrando a derrota a cada vez que rio
num silêncio alucinado em cada dia.

Mundo, que aí está pedindo a minha mão...
talvez não... somente divindades em ardil
exigindo a paz que ninguém viu...
talvez sim... se me passo uma simples alusão.

J.C.Lopes



18.11.20

BEM-AVENTURADA


Bem-aventurada és entre as flores
porque delas colhes as fragrâncias
essenciais e os incógnitos humores
das paixões em suas loucas instâncias.

Bem-aventurada és nos oceanos
porque deles guardas o rumor docente
da infinita paz que o mundo insano
desarvora em sua lógica inclemente.

Bem-aventurada és na terra
quando deitas a semente da quimera
para a real fartura da humanidade.

Bem-aventurada és no devir do tempo
porque te prolongas luz no firmamento
e consagras a aventura da eternidade.

J.C.Lopes