9.12.20

INFINITESIMAL


Onde buliu o acaso infinitesimal
a sorte suspeita dessas origens,
perdeu-se o sentido qual fuligem
na abundância dos ventos ancestrais.

Quando criou os cenários que se estendem
na memória tal fantasmas e assombros,
anteviu o tempo o rasto dos escombros
de todos os conceitos que não se entendem.

Onde agora cresce a impressão da formosura
ainda existe o sereno espelho dos enganos,
envoltos lentamente fantasia e oceanos
no redemoinho que abona a leda desmesura.

Quando e onde aprender dessa paisagem
que ironiza a veleidade e a existência,
será talvez desperdiçar a suposta essência
a desoras e parte alguma da arquejante imagem.

J.C.Lopes



8.12.20

MORRE O POETA


morre o poeta tantas vidas
de todas as vidas que recriou
morre da palavra indefinida
de tantas quantas redesenhou

morre o poeta da ousadia
de todos os sonhos incautos
morre do silêncio e da agonia
do reverso e dos versos infaustos

morre de todas as mortes
entre tantas que estancou a sorte
entre tantos promissores limiares

morre na serenidade dos ares
murmurantes do seu canto
em perene rima com seu pranto

J.C.Lopes



7.12.20

SAGRADA


Façam-se em mim as eternas
vontades das briosas demandas,
e graciosas bênçãos fraternas
testemunhem renovada esperança.

Mescle-se solene em meu sangue
o mel real da sagrada entranha,
e fartos os meus lábios exangues
profiram a derradeira sanha.

Seja o meu corpo relicário
de um santificado rosário
a anunciar alegres madrigais.

Que a nova luz vença os umbrais
da minha antiga humanidade
e me liberte paz e unicidade.

J.C.Lopes



6.12.20

DEPRESSÃO


nada mais que eu já não saiba
nem mesmo as seletas melodias
espalhando a álgida alegria
ou qualquer espaço que me caiba

sequer arriscar o perdão corroído
aos muitos ouvidos em torvelinho
se alguma divindade pelo caminho
apontar o atilado destino

força monumental e tão viva
cedendo-me o amor e o ódio
num pensamento monocórdio
e tenaz em cadência rediviva

não me queiram a displicência
como halo das sábias verdades
reajo pela minha intimidade
livrando aos males a inocência

se assim há de ser, então me bastem
o ardor e o desejo tão antigos
como sopro em meus tecidos
e que agora as falácias se calem

J.C.Lopes



5.12.20

MERIDIANOS


A tua lembrança demarca meridianos
em meu sonho e corpo feito imaginário
de um mundo em fulgor delirante e profano,
rotação de desejos em mágico sudário.
 
Mãos aladas, numa ausência recriada
unidade na anuência da vida em cio,
consagram minha queda em tua fonte sagrada,
translação do nosso destino em desvario.

J.C.Lopes




4.12.20

ALVORECER

                                                   "A noite morta de estrelas aponta o céu ateu,
                                                                 aspergindo no canto a ferrugem da estrada
                                                           antes branca, ora negra, seguindo a rua errada,
                                                       tingindo em agonias um sonho órfão que foi meu."
                                                                                      (Sandra Ravanini, A noite órfã)


Incontinenti alvorejar de um outro tempo
sobre a cartilha decorada do desterro,
insulamento à espiral de tantos erros
rodopiando à inanição e ao pensamento.

Foi quando a cor profanou a cálida noite
violentando a inocência e a brandura,
e espalhou à voz o receio e a secura
dos dias fantasmas em repetidos açoites.

Alvorecer que se debruça sobre o espanto
de um epitáfio antecipadamente lavrado,
enaltecendo aquele sonho espoliado
à nascente dos seus rumos e encantos.

Então agora o horizonte desfalece,
e mesmo a lágrima, desviada do seu leito,
sereniza ao silêncio represado no peito,
e somente a simbiose das mãos permanece.

J.C.Lopes





3.12.20

CHAMO-TE AMOR


Chamo-te, seguramente, amor,
sagrando na desordem a palavra que pronuncio,
quando sabes que a tudo eu renuncio,
e te esvazio, e te evoco delicadamente em cada alvor.

Reconheço-te, acredita, meu princípio e narcisismo,
a completa transfusão do desejo e da loucura
rasgando vísceras e sangrando a compostura,
meu avesso em pensamento e delineado niilismo.

Chamo-te amor, mas não me peças que por cá te espere,
nada me apetece cumprir do que impões como norma,
nada do teu conluio com as horas me seduz ou conforma,
abandono tuas plataformas à imaginação que me impele.

Entendo-te, como tu a mim, neste milagre que desfere o tempo,
o embaraço das gentes suplicando-te um obscuro teorema,
e sei que me cingirás quando a sofreguidão dos meus temas
me aprisionar em teu diadema eclodindo o esperado momento.

Chamo-te, ainda esta vez, amor,
tal a primeva razão de existir que eu nunca rogara,
tal a memória que definha a sua narrativa amara,
tal o murmúrio traidor pela unção extrema de um louvor.

J.C.Lopes




2.12.20

SEMENTES


desfaleço no limiar do desalento
se a memória mergulha num arquejo
e evade das muralhas e tormentos
este sonho em que agora adormeço

retorno ao senso primordial,
a delicadeza de um impulso
que então revela magistral
a sublimação do meu percurso

desvendo sementes de eternidade
exumadas na harmonia e equidade
da paz em que agora me aconchego

a candura iluminada de um segredo,
ruflares enfim do teu sonhar sereno
em que me descubro neste instante pleno

J.C.Lopes




1.12.20

HOMEM


Responder em pele e calafrio
à visão marcada da existência,
e aqui dentro vai a desessência
restante da inversão do cio.
 
Fugir embalde à ímpia vigilância,
o rijo punho das certezas e ditames,
punição e forra ao jugo dos certames
repetindo gerações em jactância.
 
Mascar a repulsa no silêncio dos dentes
salivando ao corpo o seu próprio degredo,
encenar agora o esperado enredo
no palco clarividente das seletas mentes.
 
Ser homem, mais então que anuir à vida,
estar presente ante o sorriso engodo,
ver o pranto possível descer ao esgoto
e curvar-se à felicidade consentida.

J.C.Lopes




30.11.20

LIÇÕES


Foi dos teus lábios que aprendi o silêncio
quando cessei todos os cânticos de um futuro,
ali, ao supremo encanto das mãos que se enredavam,
ao tímido gesto acobertando os nossos pavores,
ao leito das lágrimas abandonadas em teu rosto.

Foi do teu sorriso que decorei a saudade
quando aglutinei todos os ecos de um passado,
aqui, onde a memória encena o seu adágio,
onde confissões recriam remotos cenários,
onde me calo e curvo ante ao vazio das naves.

Será do teu seio que esperarei ouvir algum murmúrio
quando os teus braços copiarem bruma e horizontes,
algures, entregue aos relevos diáfanos do teu corpo,
desamparado ao capricho dos céus e relentos,
descurado ao semblante outonal de uma lenda.

Foi o silêncio que aprendi dos teus lábios
quando disseste o futuro cessando todos os cânticos,
algures, onde as mãos desafiaram todos os enredos,
aos nossos pavores largando-nos ao rumo dos receios,
entregue a ventos e aluviões que irradiaram os teus aromas.

J.C.Lopes




29.11.20

PORTO RUBY


Seja então esta alma feita em taça
a essência que me afeita a garganta,
mais ainda a atmosfera que agiganta
o delírio ao temor que o olhar disfarça.
 
Sentir o fátuo e adocicado escarlate
em límpido veio e mera sedução,
e o senso em primavera e vastidão
aparta-se e alegremente evade.
 
Somente aromas neste momento
recriam-me no sabor ao barlavento
alucinando o tempo agora ao lado.
 
Frutado elixir de um reino tão sonhado,
bebo-te a delicadeza em desaprumo
tal marca e fantasia de um dúbio rumo.

J.C.Lopes



28.11.20

ELISÃO


Aqui termina o meu cadente discurso,
absolutamente órfão da realidade;
e então insisto ao fadário e percurso
desobstruindo os veios da saudade.

Elidir o meu sonho do teu caminho...
não sabes, e pouco importa, o que tanto dói
bem aqui, no que seria essência, e este carinho
que agora tinge o contrassenso que corrói.

Aqui me entrego ao imponderável e me calo,
completamente nulo à voz da esperança;
aos nervos, no que seria alma, penso o halo
que debilmente me ilumina em temperança.

Colidir em tua fuga o meu destino...
não sabes, e mais nada importa neste absurdo,
apenas que desapareçam ao desatino
as memórias sangradas num lamento surdo.

J.C.Lopes